10/04/2012

A (in)coerência

Ser coerente deve de ser um dos exercícios mais difíceis com que nos temos que deparar na nossa vida. Dizer uma coisa e fazer outra, é um dos mais singelos exemplos de incoerência.
Mais do que aparentarmos ser coerentes em termos de ideais, atitudes e acções, é fundamental conseguirmos sê-lo connosco mesmos. E isso não é tarefa fácil.
Facilmente enganamos os outros, pois através das várias personas que vamos construindo ao longo da vida, vamos criando enredos e aparências demonstrando a nossa coerência ilusória. A questão real é que não será possível fugirmos indefinidamente de nós próprios e no confronto com a nossa consciência somos levados a rebater tudo o que em nós não é coerente entre o que fazemos e dizemos. 
A coerência moral, é um aspecto relevante na nossa estrutura de personalidade, pois ao desejarmos ser pessoas diferentes e evoluir segundo padrões diferentes no modo de vida, muitas vezes somos confrontados com os dilemas da coerência. 
Como poderei ser caridoso, se sou avarento? Como posso desaconselhar algo a alguém, se eu mesmo o continuo a praticar? Como poderei ser amado, se eu não sei amar os outros?
Ser coerente é orientar-se por princípios e por valores elevados, ser fiel a si e aos outros, é ser corajoso e sobretudo é uma grande virtude. Sucumbir perante os dilemas é deixar de ser coerente, pois os dilemas são a prova que temos de ultrapassar para sermos verdadeiros e coerentes connosco.  


Deixo aqui uma bela reflexão de Gabriel García Márquez:


"Descobri que a minha obsessão por cada coisa no seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estado, não era o prémio merecido de uma mente em ordem, mas pelo contrário, de todo o sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. 
Descobri que não era disciplinado por virtude, mas sim como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que me passo por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso no pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importo com o tempo alheio..." 

do livro: Memórias de minhas putas tristes (2008)

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